Os líderes da Comunidade da África Oriental concordaram, em Nairobi (Quénia), em criar uma força regional para tentar acabar com o conflito no leste da República Democrática do Congo (RDCongo), anunciou a presidência da organização. E então João Lourenço, o premiado campeão da paz na região?
“Os chefes de Estado disseram que a força regional deve, em cooperação com o exército e as forças administrativas da RDCongo, procurar estabilizar e garantir a paz na RDCongo”, lê-se num comunicado divulgado após uma cimeira realizada em Nairobi.
Segundo a nota, divulgada pela Presidência queniana, que organizou a cimeira, os “chefes de Estado exigiram a aplicação imediata de um cessar-fogo e que a cessação das hostilidades comece imediatamente”.
A tensão entre a RDCongo e o Ruanda intensificou-se nas últimas semanas com o ressurgimento da rebelião do Movimento 23 de Março (M23), acusada de matar pelo menos 26 soldados da RDCongo num ataque em Janeiro.
Desde então, Kinshasa acusou Kigali de apoiar os rebeldes, maioritariamente da etnia tutsi, o que Kigali tem reiteradamente negado.
O M23 foi derrotado em 2013, mas voltou novamente a pegar em armas no final de 2021.
O Presidente queniano, Uhuru Kenyatta, anfitrião da cimeira e que preside actualmente à Comunidade da África Oriental, pediu na semana passada o envio de uma força regional para o leste da RDCongo para restaurar a paz.
Participaram na cimeira os Presidentes da RDCongo, Félix Tshisekedi, do Ruanda, Paul Kagame, do Uganda, Yoweri Museveni, do Burundi, Evariste Ndayishimiye, e Sudão do Sul, Salva Kiir, bem como o embaixador da Tanzânia Stephen Simbachawene.
A cimeira constituiu uma oportunidade para os líderes da RDCongo e do Ruanda se reunirem pela primeira vez após o avolumar das tensões entre os dois países. A RDCongo aderiu recentemente à Comunidade da África Oriental.
As relações entre a RDCongo e o Ruanda passaram por momentos de crise desde a chegada em massa ao leste do primeiro país de hutus ruandeses acusados de massacrar os tutsis durante o genocídio ruandês de 1994.
O M23 é acusado desde Novembro de 2021 de realizar ataques contra posições do Exército da RDCongo na província de Kivu do Norte, apesar de as autoridades de Kinshasa e o M23 terem assinado um acordo de paz em Dezembro de 2013 após os combates registados desde 2012 com os militares da RDCongo, que foi apoiado por “capacetes azuis” das Nações Unidas.
Especialistas da ONU acusaram o Uganda e o Ruanda de apoiar os rebeldes, mas os dois países rejeitam a acusação.
JOÃO LOURENÇO FORA DE JOGO?
Recorde-se que recentemente João Lourenço debateu em Luanda com o seu homólogo da República Democrática do Congo (RD Congo), Félix Tshisekedi, a “crescente tensão” entre este país e o vizinho Ruanda, anunciou a Presidência angolana em comunicado.
“Na sequência do mandato recebido na recente Cimeira de Malabo”, João Lourenço “acolheu em Luanda, o Presidente Félix-Antoine Tshisekedi, Presidente da República Democrática do Congo, num encontro para abordar questões relativas à crescente tensão que se regista entre a República Democrática do Congo e a República do Ruanda”.
No encontro “foram discutidos vários aspectos que podem contribuir para a resolução pacífica do diferendo entre os dois países”, avança o comunicado.
“Neste sentido (…) Félix-Antoine Tshisekedi (…) a pedido do seu homólogo angolano, aceitou libertar dois soldados ruandeses capturados recentemente”, acrescenta. “Esta diligência visa contribuir para a redução da tensão que paira na relação entre os dois países referidos”, explica.
O comunicado refere ainda que na sequência da reunião com o líder da RD Congo, João Lourenço manteve “uma conversa, por videoconferência” com o Presidente do Ruanda, Paul Kagame, “durante a qual foram discutidos os mesmos aspectos abordados com o seu homólogo da RD Congo”.
“Estas discussões permitiram aos dois chefes de Estado chegar a um entendimento sobre a realização em Luanda, em data a anunciar proximamente, de uma cimeira em que participarão, a convite do chefe de Estado angolano, os chefes de Estado da República Democrática do Congo e da República do Ruanda, a fim de cuidarem de todos os aspectos que possam ajudar, de forma consistente, a promover o desanuviamento da tensão actualmente reinante na fronteira entre os dois países e contribuir assim para o reforço da paz na sub-região”, conclui a nota.
Ambos os países solicitaram a intervenção do Mecanismo Reforçado de Verificação Conjunta (EJVM, na sigla em inglês), estabelecido pela Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos (CIRGL) para investigar incidentes de segurança nos seus 12 Estados-membros.
O Ruanda exigiu que a RD Congo libertasse dois soldados do seu exército raptados enquanto patrulhavam a fronteira com aquele país, no mesmo dia em que o Governo da RD Congo suspendeu os voos da Rwandair para o seu território, em protesto contra o alegado apoio de Kigali aos rebeldes.
Recorde-se o alarde propagandístico do MPLA que fez sucessivas manchetes nos seus órgão de comunicação privados e privativos (embora sustentados com dinheiro público), noticiando que o engajamento do Chefe de Estado, João Lourenço, e a sua recente nomeação, pela União Africana, como campeão pela paz e reconciliação, por “aliviar as tensões entre as Repúblicas Democrática do Congo e do Ruanda”, foram destacados pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, Estados Unidos da América.
Segundo o Jornal de Angola, o porta-voz do Secretário-Geral da ONU, Stephane Dujarric, sublinhou a importância dedicada pelo Presidente angolano e acentuou que a Organização das Nações Unidas “apoia totalmente esses esforços políticos”.
Ainda segundo o que o Jornal de Angola escreveu no passado dia 13:
«No relatório divulgado na sede da ONU, descreve-se que, no Kivu do Norte, Kivu do Sul e Ituri, a MONUSCO está a proteger civis de forma imparcial e robusta, além de ajudar a neutralizar grupos armados, conforme o mandato do Conselho de Segurança.
«Acrescentou que ao cumprir o mandato de protecção de civis, a MONUSCO continua a garantir que o apoio às FARDC esteja em estrita conformidade com a Política de “Due Diligence” dos Direitos Humanos, realçando que isso é para garantir que o apoio da Missão às forças de segurança não pertencentes às Nações Unidas seja consistente com os propósitos e princípios da Organização, tal como estabelece a Carta da ONU e obrigações sob o direito internacional.
«Estamos profundamente preocupados com relatos de aumento do discurso de ódio no país contra algumas comunidades específicas, inclusive no contexto do ressurgimento do M23.
«O discurso de ódio deve ser confrontado de forma proactiva”, frisou Stephane Dujarric. Mostrou-se, também, preocupado com a deterioração da situação de segurança no Leste da RDC e o aumento dos ataques contra civis pela Cooperativa para o Desenvolvimento do Congo (CODECO) e o M23, bem como a presença de outros grupos armados estrangeiros, incluindo as Forças Democráticas Aliadas (ADF), Red Tabara e as Forças Democráticas para a libertação do Ruanda (FDLR), que continuam a representar uma ameaça à estabilidade regional.
«Apelou a todos os grupos armados para que cessem imediatamente as formas de violência e instou os integrados por congoleses a participar incondicionalmente no Programa de Desarmamento, Desmobilização, Recuperação e Estabilização da Comunidade (P-DDRCS) e os estrangeiros a desarmar e retornar aos países de origem.
«Confirmou o forte compromisso com a soberania, independência, unidade e integridade territorial da RDC e condenou veementemente o uso de procurações: “Saudamos e apoiamos os esforços políticos nacionais e regionais em curso para acompanhar o desarmamento de grupos armados, inclusive pelo Presidente Félix Tshisekedi, da RDC, e pelo Presidente Uhuru Kenyatta, do Quénia, através do processo de Nairobi”.
«Segundo o porta-voz do Secretário-Geral, a MONUSCO está a trabalhar, também, em estreita colaboração com o Escritório do Enviado Especial para a região dos Grandes Lagos para promover medidas não militares para o desarmamento de grupos armados estrangeiros.
«Stephane Dujarric disse que, neste momento, se trabalha em estreita colaboração com o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH) e o Conselheiro Especial das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio.
«Reforçou que a Equipa Nacional das Nações Unidas contribui para combater o discurso de ódio ao envolver-se com autoridades nos níveis local, provincial e nacional, com jornalistas e a sociedade civil, para condenar tal discurso e apoiar a acusação daqueles que o propagam.
«Reafirmou que a MONUSCO e as Nações Unidas também mobilizam líderes de opinião e influenciadores para falar contra o discurso de ódio, inclusive na Rádio Okapi da Missão, em fóruns públicos e nas redes sociais.»
Folha 8 com Lusa